Esse texto é uma análise do livro A Vida de H. P. Lovecraft, de S.T. Joshi.
Enquanto da minha
perspectiva pessoal considero Edgar Allan Poe o maior gênio da literatura
fantástica e do horror – foi lendo uma versão antiga, bastante empoeirada e capa
dura de Histórias Extraordinárias que me apaixonei por literatura-, sem
qualquer demérito Lovecraft vem logo em seguida.
A internet que me fez
conhecer Lovecraft bem cedo, pois ela é constantemente inundada de referências
a suas obras. Mesmo que você nem saiba quem é Lovecraft, com toda certeza em
algum momento da vida ficou de frente com uma imagem de Cthulhu. A mítica
criatura tentacular que aparece na abertura deste post. Seja através da
campanha “Cthulhu para presidente” ou algum meme sobre ter medo/saber que algo
vai dar ruim.
Ao ler a biografia escrita
por Joshi você vai perceber o quanto é estranho o fato de que Lovecraft tenha
se tornado tão popular nos dias de hoje, já que em vida ele não chegou a
publicar sequer um livro. Isso mesmo! Um dos maiores nomes da literatura fantástica
teve uma vida bastante complicada, pois possuía valores aristocráticos, mas
vivia numa situação financeira que na maior parte do tempo beirou a penúria
tanto financeira quanto da falta de reconhecimento enquanto escritor.
Começando
Pelo Começo
Ao ler as vinte
primeiras páginas de A Vida de H. P.
Lovecraft eu vi que era um livro acadêmico mais do que uma biografia narrativa.
O autor repassa informações detalhadas, porém muito secas sobre onde Lovecraft nasceu,
quais os troncos das árvores genealógicas dos seus pais e assim por diante. No
começo achei isso ruim, mas depois vi que ao menos permitia que o autor não
tivesse uma visão totalmente apaixonada por seu objeto de pesquisa, porque
Lovecraft era uma pessoa BASTANTE polêmica em sua intimidade.
Na infância Lovecraft
viveu com luxo. À custa do dinheiro proveniente de uma família abastada ele
podia comprar kits de química, telescópio, produzir jornais caseiros de pequena
tiragem, morar numa casa espaçosa, entre outros privilégios. Por isso sempre se
viu, acima de tudo, como um aristocrata de valores elevados.
Desde cedo ele
apresentou intenso interesse pela ciência, com o tempo esse interesse se
deslocou para um ramo específico: a astronomia. É importante falar sobre o
interesse de Lovecraft pela ciência porque era através da racionalidade do
século XIX que as engrenagens de sua mente giravam.
Lovecraft cresceu como
um aristocrata que lia os clássicos gregos direto do latim e se considerava
como detentor de uma cultura clássica coerente e superior. Mais do que isso: em
grande parte da sua juventude ele tomou para si a tarefa de combater a “modernidade”,
ao qual ele considerava como possuindo valores decadentes de frugalidade e instabilidade.
É com elementos dessa racionalidade preconceituosa e excludente que em alguns
momentos ele vai explicar o seu racismo como uma verdade inquestionável: o
crânio dos negros têm medidas que ‘demonstram’ que eles são inferiores, bastava
ler o que diziam os livros de frenologia!
A astronomia foi
realmente o que fez a cabeça de Lovecraft. Porém quando adulto ele percebeu que
embora tivesse grande imaginação, fosse um bom comentador de obras e um
excelente redator de textos em linguagem popular sobre o assunto, era uma
negação em cálculo e por isso incapaz de ser um astrônomo acadêmico. Por mais
que tentasse, ele não conseguia fazer os cálculos corretamente, e isso foi um
choque de realidade ao qual ele nunca esqueceu.
As
Mulheres Em Sua Vida
Um
elemento bastante importante da vida de Lovecraft é que mesmo quando adulto ele
vivia cercado por sua mãe e tias. Na infância ele estava sempre doente, então as
mulheres da família criaram um cerco que o protegia de se esforçar demais.
Assim, Lovecraft não gostava de sair, pois sentia fraquezas e desmaiava. Essas
doenças foram fontes constantes de infelicidade, pois ele sentia que era
incapaz de vencer no mundo sendo uma pessoa tão debilitada.
Porém
estranhamente quando a sua mãe morreu ele passou alguns dias com amigos intelectuais
fora da sua cidade natal, e para sua surpresa ele ficava o dia todo e às vezes
a madrugada inteira caminhando por ruínas – onde futuramente ele ambientaria
suas obras. Aparentemente a superproteção que sua mãe lhe dava era o que psicologicamente
o convencia de que era doente. Então apesar dos pesares a morte de sua
progenitora foi sua libertação das correias de suas limitações físicas.
Sonia
Greene foi a primeira e única esposa de Lovecraft. A história dos dois é
muito... esquisita. Primeiramente porque Lovecraft nunca se interessou muito
por sexo, o estudo precoce de biologia teve o efeito inverso em sua cabeça. Ao
ver como o corpo humano funcionava e como ocorria a reprodução, ele sentiu mais
repulsa por todos aqueles mecanismos dentro de cada um de nós do que
curiosidade. Quando casou com Sonia Greene, quase todas as propostas vieram da
parte dela, ele apenas seguiu a onda. Porém chegou um período muito esquisito
em que Lovecraft não via sua esposa, que trabalhava em outra cidade para conseguir
dinheiro o suficiente para se manterem, e ele não dava a mínima! Continuava
fazendo seus trabalhos sem se esforçar para ver a própria esposa.
Toshi
conta que Sonia Greene chegou a mandar uma carta pedindo separação e Lovecraft
se sentiu ultrajado, ele não queria se separar apenas porque não convinha para
um homem aristocrata ser divorciado. Então ele sugeriu que mantivessem um
casamento com contato através de trocas de cartas! Ele citou o exemplo de uma
pessoa que fazia isso, ao qual Sonia Greene disse que no caso em questão o
marido era doente, enquanto Lovecraft era saudável.
Como
vocês podem ver a relação com as pessoas não era exatamente o forte de
Lovecraft. Parecia lhe faltar certo entendimento do que as pessoas pensam e
sentem enquanto seres sociais.
As
Durezas Da Vida
Durante o começo da vida
adulta a mãe de Lovecraft começou a passar por turbulências financeiras e a
maioria das regalias que ele tinha foi cortada. Esse momento foi marcante em
sua vida porque ele nunca mais teria aquele tipo de luxo, pelo contrário,
sobrevivia sempre no fio da navalha.
Os amigos de Lovecraft
contam que ele vivia numa situação tão ruim que às vezes sua alimentação para o
dia todo era uma fatia de pão e uma lata de feijão. Ele dizia que isso era o suficiente
para si, pois queria viver só do que era essencial, mas muitas vezes seu corpo
ficava esquelético e sua pele pálida, mostrando que algo não ia bem como
imaginava.
A vida inteira Lovecraft
tentou vender seus livros, porém sempre que alguma editora aceitava publicar,
algo dava errado. Então foi em revistas que sua obra se espalhou. Em geral ele
ganhava bem pouco pelas colaborações, mas para a situação em que vivia era
muito melhor do que nada. Para complementar a renda ele reescrevia livros de outras
pessoas sob encomenda e revisava textos de escritores iniciantes.
As revistas em que ele
publicava eram em geral parte de um circuito nacional de imprensa amadora, ao
qual Lovecraft se envolveu intensamente a ponto de presidir o órgão regulador
por diversas gestões. Era em alguma função dentro deste órgão da imprensa
amadora que Lovecraft conseguiu escapar da fome completa. Foi também neste
circuito que ele conseguiu amigos influentes, que enquanto vivo e postumamente
lutariam para que sua obra fosse reconhecida por sua grandiosidade de terror
cósmico.
A pobreza é difícil para
qualquer um, porém para alguém cujos valores eram aristocráticos, como
Lovecraft, a situação era paradoxal a ponto de ele ter pensado em acabar com a
própria vida. Porém eu acho que foi a pobreza que pouco a pouco o fez se abrir
aos valores da modernidade, parar de escrever sátiras baseadas em literatura
greco-latina e começar a escrever histórias de horror e sobrenatural. Além de
também flexibilizar seu racismo asqueroso, pois teve que conviver com negros e
judeus.
Portanto foi graças a
situação de penúria em sua vida que Lovecraft repensou todas as suas ideias e
pôde se entregar a um gênero que anteriormente tinha considerado como uma
literatura menor, por não tentar imitar os modelos clássicos.
As
Obras
Em A Vida de H. P. Lovecraft o autor Joshi
não é nem um pouco amistoso com Lovecraft. Ele comenta o quão são horríveis os
primeiros contos que o autor escrevia na juventude, até mesmo o quanto eram
horríveis a maioria das suas sátiras e poesias simulando o estilo greco-latino.
Mais
do que isso, Joshi mapeia de onde Lovecraft “retirou” a ideia de seus
principais contos. Ele deixa entendido que no meio do circuito de imprensa
amadora havia muita literatura fantástica e as pessoas costumavam pegar uma
ideia presente num conto, misturar com outros elementos de outros contos e
criar sua própria história. A maioria das coisas de Lovecraft surgiu assim,
inclusive o próprio Cthulhu. Na verdade isso não tira nenhum pouco o mérito de
Lovecraft, mas é interessante saber que suas ideias não são completamente
originais como imaginamos. Mas quais ideias podem ser consideradas genuinamente
originais? Eu não conheço nenhuma.
Conclusão Sobre A Biografia
A biografia escrita por Joshi é extremamente rica em detalhes
sobre a vida de H. P. Lovecraft. Fala sobre todos os percalços de sua vida,
sobre seus relacionamentos amorosos, os conflitos com a mãe, o modo como
conseguiu sobreviver financeiramente, seus pensamentos racistas, o apoio tímido
ao nazifascismo, entre tantas outras coisas que eu nunca antes soube sobre Lovecraft.
Se
você é fã do mestre do horror cósmico, não pode deixar de ler A Vida de H. P. Lovecraft. Não é um
livro fácil, mas mostra detalhadamente quem foi a pessoa por trás da criação de
tantos monstros que assombram a imaginação contemporânea. E ele mesmo em alguns
momentos era tão horrível quanto as criaturas a que dava vida na literatura.
Tenho muita curiosidade em ler algo do Lovecraft, e agora fiquei com muita vontade de ler essa biografia. Estou me encantando por elas, principalmente de escritores. Olhamos atrás das cortinas, pegamos melhor o contexto às vezes novos significados, além de algumas dicas, nem que seja do que não fazer.
ResponderExcluirTambém curto muito biografias. Ajudam a entendermos como são difíceis os percalços da produção literária quando elas se embaralham com a vida humana. Li recentemente uma do Stephen King que colabora pra essa ideia geral de que ser escritor é uma tarefa muito árdua e que exige muita persistência e coragem.
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